Fernando Liguori
Khecarī-mudrā, o bloqueio com a língua, é uma prática
importante ressaltada em todos os textos do haṭha-yoga, rāja-yoga e vedānta,
por causa de seus efeitos no corpo e na mente. Ela também é conhecida como
nabho-mudrā e geralmente é combinada com ujjāyī-prāṇāyāma e outras práticas
meditativas. Śrī Swāmi Śivānanda Saraswatī chamava essa prática de
lambhika-yoga, por fornecer ao praticante uma fonte de rejuvenescimento e
superação dos obstáculos no yoga-sādhanā. Lição da Oficina de Meditação, edição
2011, ministrada pelo Instituto Kaula.
A palavra khecarī deriva de duas
raízes sânscritas: khe, que significa
céu e carya, que significa aquele
que move. Khecarī-mudrā é
associada ao amṛta, o néctar ou
elixir da vida, que é segregado do biṅdu-visarga,
o cakra situado na fontanela
posterior. Este néctar é coletado pelo viśuddhi-cakra.
A proficiência nessa prática possibilita o yogī
interromper a queda destas gotas de amṛta
no viśuddhi, superando a forma, a
sede e rejuvenescendo todo o corpo.
Essa mudrā pode ser executada de
duas maneiras diferentes. O método mais simples, muitas vezes associado a
técnicas meditativas, é a prática rāja-yogī,
onde a ponta da língua é projetada para trás, tocando o palato mole no céu da
boca. O outro método é associado às práticas mais avançadas do haṭha-yoga. Corta-se cuidadosamente o
freio abaixo da língua, possibilitando que ela se movimente para dentro da
cavidade nasal e estimule importantes centros psíquicos situados nessa região. Khecarī-mudrā, sob estas condições, envolve
a orientação de um guru ou um professor experiente, bem como a suspensão de
qualquer interação com o mundo exterior. O local mais seguro para essa prática
é um aśram onde o praticante será bem
orientado, passará por cuidados e estará desfrutando de um estilo de vida yogī, sem a interação com o mundo
exterior.
Khecarī-mudrā (bloqueio
com a língua)
Técnica 1: método rāja-yogī
Sente-se confortavelmente em uma
postura meditativa.
Mantenha a coluna e a cabeça alinhadas.
As mãos em cin ou jñāna-mudrā sobre os joelhos. Relaxe
todo o corpo e feche os olhos.
Dobre a língua para cima e para trás de
forma que a parte inferior da língua toque o palato.
Projete a ponta da língua para trás o
quanto for possível.
Se a língua for longa o suficiente,
tente inseri-la na cavidade nasal no palato mole.
Não force.
Execute ujjāyī-prāṇāyāma. Respire lenta e profundamente.
A princípio haverá algum desconforto e ujjāyī-prāṇāyāma poderá irritar a
garganta, mas, com a prática, tornar-se-á mais confortável.
Quando a língua ficar cansada, relaxe
por alguns momentos e repita a prática.
Algumas pessoas tentam alongar a língua
massageando-a com ghee (manteiga
clarificada), projetando-a então para trás.
Respiração: Gradativamente, em um
período de meses, reduza a velocidade da respiração até que o número de
respirações por minuto fique em torno de 5 ou 6. Sob a orientação de um
professor competente, pode-se ir além, reduzindo ainda mais a velocidade
respiratória.
Duração: Pratique por cinco a dez
minutos. Khecarī-mudrā pode também
ser combinada com outras práticas de Yoga.
Consciência: Físico – no alongamento
da língua, na pressão contra o palato mole e no som produzido pela garganta na
medida em que inspira e expira em ujjāyī-prāṇāyāma.
Precaução: Interrompa a prática
caso uma secreção amarga ou ácida seja sentida na boca. Essa secreção é um
sinal de que existem toxinas no sistema e elas ocorrem quando o doṣa kapha (muco) está excessivamente
desequilibrado. Como regra geral, se você está caminhando através do processo
do haṭha-yoga, a eliminação das
toxinas e o equilíbrio dos doṣas pode
ser conquistado e a secreção amarga deixará de ocorrer. Mas se você executar a
prática sem a devida purificação, notará que o gosto amargo da secreção se
parece com o gosto de um ovo podre descendo pela garganta.
Contraindicações: Ulcerações na língua e
outras doenças bucais impossibilitam temporariamente a execução desta técnica
Benefícios: Khecarī-mudrā estimula uma série de pontos de pressão na parte
posterior da boca e na cavidade nasal. Estes pontos influenciam todo o corpo.
Algumas glândulas também são massageadas, estimulando a secreção de certos
hormônios e da saliva. Essa prática reduz a sensação de fome e sede, induz um
estado interior de calma e quietude. Ajuda a conservar a vitalidade do corpo,
sendo especialmente benéfico para processos de cura interior. Essa mudrā tem o poder de estimular o prāṇa e despertar a kuṇḍalinī-śakti.
Técnica 2: método haṭha-yogī
Essa forma de khecarī-mudrā deve ser praticada sob a supervisão de um guru ou
professor competente. O tendão abaixo da língua é gradativamente cortado,
semana após semana. Uma pedra afiada pode ser utilizada para este propósito,
embora um instrumento cirúrgico de corte também possa. A língua é massageada
com ghee por longos períodos
diariamente até que esteja alongada ao ponto de tocar o centro entre as
sobrancelhas. Dessa maneira, a prática tradicional de khecariī-mudrā pode ser executada, na qual a língua é inserida
dentro da cavidade nasal no palato mole, estimulando os centros nervosos,
alterando assim as funções cerebrais.
Precaução: Uma vez que o freio da
língua tenha sido cortado, o controle sobre as faculdades da fala e deglutição
é prejudicado de maneira irreversível. Portanto, essa técnica do haṭha-yoga tradicionalmente é executada
apenas por yogīs que estão
completamente dedicados ao despertar espiritual e não mais se envolvem com os
eventos profanos da vida.
Nota: É ensinado pela tradição
que essa prática deve se iniciar nos primeiros anos da adolescência, entre doze
e dezesseis anos, período em que o corpo ainda está em formação. Primeiro
massageia-se a língua segurando-a com um pedaço de pano na medida em que ela é
puxada para fora, de um lado para o outro, então o freio da língua é cortado
com uma lâmina bem afiada e esterilizada. No processo, pouco sangue é emitido,
mas não existe dor. Em seguida, se limpa o ferimento com massala de açafrão e
sal moído para que não haja infecção e o processo de cura possa ocorrer naturalmente.
O processo de massagear a língua é
feito diariamente. Os cortes no freio da língua são feitos de sete em sete
dias. Como mencionamos acima, quando o tendão está completamente cortado,
perde-se o controle sobre os movimentos da língua. Dessa maneira não possível
introduzi-la na cavidade nasal espontaneamente, portanto, é necessário o
auxílio dos dedos ou um pequeno gancho sem ponta afiada. A proficiência em
levar a ponta da língua até o ponto entre as sobrancelhas pode levar anos.
Efeitos fisiológicos
A cabeça, mãos e língua abrangem uma grande área sensorial do córtex. Na
parte motora, a área utilizada pela língua é três ou quatro vezes maior do que
a área sensorial. A área que abrange os lábios, boca e cordas vocais para
expressão dos pensamentos em palavras através do viśuddhi tem grande importância, pois a maior parte do córtex está
distribuída entre a cabeça, mãos, língua, olhos e voz.
Quando nós praticamos khecarī-mudrā,
trazemos o foco da atenção a estas áreas. Quando dobramos a língua para trás,
mantendo-a firme, transmitimos a consciência este estado de estabilidade. A
língua é um órgão que se movimenta bastante, geralmente de forma inconsciente,
especialmente quando falamos. Dobrar para trás a língua em khecarī-mudrā estabiliza e prende os músculos que normalmente se
mexem incessantemente. Isso produz calma e firmeza em todo sistema, atuando
profundamente na estabilidade da consciência. Por outro lado, a quantidade de
energia que normalmente seria utilizada pela atividade cortical é liberada para
que exerça outras funções.
Acredita-se que por esta prática podemos ganhar controle sobre as maiores
faculdades do corpo. Na medida em que a língua é inserida na cavidade nasal,
inúmeros nervos pequenos, hormônios e glândulas são ativados, o que garante um
controle sobre o sistema nervoso. Yogīs
que executam longos períodos de prática meditativa utilizam a khecarī-mudrā para superar as
necessidades físicas de fome e sede. Acredita-se também que quando khecarī-mudrā é praticada da maneira tradicional,
o corpo astral desprende-se a vontade do corpo físico. A partir deste
desprendimento a consciência pode experienciar o ākāśa-tattva.
De acordo com o kuṇḍalinī-yoga,
outro benefício obtido através da khecarī
é o rejuvenescimento das células do corpo. Kuṇḍalinī-yoga
declara que o biṅdu-visarga, situado
na fontanela posterior da cabeça, é um centro muito importante. Dele, o amṛta, o néctar ou elixir da vida, é
secretado em pequenas quantidades que gotejam pelo corpo. Quando os centros
inferiores metabolizam este néctar, o corpo inicia um processo de decadência, velhice,
doença e morte. Com a prática da khecarī-mudrā
os yogīs têm conseguido reverter este
processo estimulando o biṅdu-visarga,
contendo as gotas do amṛta no viśuddhi-cakra, dobrando para trás a
língua.
Quando este hormônio (amṛta) é
contido na região do viśuddhi, ele se
purifica e cria um efeito contrário no organismo. Quando ele entra em contato
com o suco gástrico da região do maṇipūra
se torna veneno. Mas quando permanece na região do viśuddhi, se purifica e somente é distribuído pelo corpo após ter
sido filtrado pelas membranas mucosas
e glândulas salivares que revestem a boca. Uma vez que isso ocorra, o néctar
começa a rejuvenescer o corpo. Portanto, para os haṭha-yogīs, a vida pode ser prolongada pela prática de khecarī-mudrā.
Ujjāyī-prāṇāyāma e
khecarī-mudrā: bases científicas e razões para prática
No pescoço existem dois órgãos notáveis chamados de fístula carótida,
situados em cada lado das principais artérias que suprem sangue ao cérebro, na
frente do pescoço, logo abaixo da garganta. Estes órgãos pequenos ajudam a
controlar e regular a pressão sanguínea e o fluxo do sangue. Se existe uma
falha na pressão sanguínea, ela é detectada por estas duas pequenas fístulas
que enviam uma mensagem ao cérebro. O cérebro responde rapidamente aumentando o
ritmo cardíaco e contraindo os numerosos e minúsculos vasos sanguíneos,
elevando a pressão ao seu estado normal. Qualquer aumento na pressão sanguínea
também é detectado por estas fístulas, que novamente enviam uma mensagem ao
cérebro que responde diminuindo o ritmo cardíaco e dilatando os vasos
sanguíneos.
Tensão e estresse estão associados à pressão sanguínea. Ujjāyī-prāṇāyāma aplica uma leve pressão
nestas fístulas na região do pescoço, fazendo com que elas ajam como se
estivessem detectando um aumento na pressão sanguínea. Isso reduz os batimentos
cardíacos, o que diminui a pressão do sangue abaixo do normal. Como resultado
deste processo, o praticante se torna mais relaxado, físico e mentalmente. Essa
é a razão pela qual ujjāyī-prāṇāyāma
é tão importante em muitas práticas meditativas. Ele produz um estado de
relaxamento em todo o corpo, o que é essencial no processo da meditação.
Khecarī-mudrā acentua essa pressão nas duas fístulas
carótidas. Você pode experimentar por si mesmo executando primeiro ujjāyī-prāṇāyāma sem khecarī-mudrā e depois com, comparando
assim a diferença na pressão.
Ujjāyī-prāṇāyāma é uma técnica simples que influencia
sutilmente muitas partes do corpo, tanto físico, mental como bioplasmático. A
respiração lenta e profunda imediatamente induz a calma mental e a aquietação
corporal, trazendo harmonia às funções do corpo bioplamático. Ainda, o som
produzido na região da garganta acalma e conforta todo o ser. Se você
permanecer consciente deste som por um longo período de tempo, excluindo
pensamentos intrusos, perceberá os benefícios em pouco tempo de prática.
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